quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sessão de Hemodiálise 456

Na sessão de hemodiálise dessa última quinta-feira a enfermeira resolveu mudar o local de enfiar a agulha (ver foto do post 405) no meu braço, porque na área que tem sido furada há anos formou-se um amontoado de cicatrizes que deixou a parede da fístula dura, dificultando a penetração da agulha. Assim, para enfiá-la, deve-se empregar muita força, o que às vezes chega até a impressionar os enfermeiros, o fato de um negócio pontudo e afiado simplesmente não atravessar a pele, como se ela estivesse protegida por um campo de força – ou talvez em greve, revoltada por ser constantemente agredida.

Furar num lugar novo com uma agulha desse calibre, que mais parece um canhão, é aterrorizante. Foi assim também quando voltei à hemodiálise e recomecei a usar a fístula, que ficou sem uso enquanto estive transplantado (eu a tenho há 11 anos, ver post 400). Ainda internado no hospital, porque havia perdido o rim do meu segundo transplante, ficava com muito medo de ir para a sessão, como se, a caminho da ala onde o tratamento era realizado, na verdade eu estivesse enfrentando o corredor da morte. Um pavor não apenas por não saber o que esperar da sessão, mas, principalmente, pela dor certa que me aguardava: duas agulhadas daquelas na pele virgem. Pois, quando há cicatriz sobre cicatriz na pele, de tanto que já foi perfurada e sofreu regeneração, forma-se uma espécie de couraça – caso do meu braço –, e a dor ali não é tão intensa como quando se fura num ponto pela primeira vez.

Então, lá foi a enfermeira buscar um novo ângulo para meter aquelas “lanças” no meu braço, o pânico conseguindo tornar as coisas ainda piores do que já são, evocando impressões desagradáveis antes mesmo de sentir qualquer desconforto ou dor. Naquele momento, pedi a ela um instante para me preparar psicologicamente. O que eu queria mesmo com aquela conversa era adiar o meu sofrimento, mesmo que por 2 ou 3 segundos. Afinal, escapar seria impossível. Ou não. Eu poderia ter-lhe dito: “Ah... fura no mesmo lugar, vai? Dói pra caramba num lugar novo”, mas fiquei quieto, e deixei que ela fizesse seu trabalho. Ela é a enfermeira e eu, o paciente. Então, ela perfurou... uma, duas vezes; duas vezes pés se contorcendo, duas vezes punhos cerrados, duas vezes olhos apertados; a angústia por desejar ter outra vida e não poder – um tipo de sentimento sobre o qual artifícios usados para distrair da dor física não surtem o mínimo efeito, já que ele tudo abarca e permeia, fere e machuca mais do que qualquer agulha poderia.

Nesse dia, não bastasse suportar as perfurações em regiões tenras do braço (“perfuração” não seria bem o termo, pois a agulha de hemodiálise é tão larga que sua extremidade é chanfrada, cortada em ângulo para simular uma ponta, e as laterais dessa abertura rasgam a pele; tanto que, quando ela é retirada, o que fica não é a marca de um furo, e sim, a de um pequeno corte, como uma mini facada), ainda sofri uma infiltração.



2 comentários:

  1. Guilherme, ler o seu blog é reviver um dos momentos mais delicados da minha vida.
    Seja firme, seja forte e seja grande.
    Beijo enorme!
    Renata Marques
    renata.cmarques@gmail.com

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  2. Guilherme...não desista!!!!
    Estudo a anemia em pacientes hemodialisados e acompanho a rotina de sofrimento e dor dos pacientes diariamente.
    Mas ao mesmo tempo vejo o olhar de esperança de cada um, a cada sessão.
    Todos em busca de um transplante que possam prolongar a vida nem que seja por 1 dia, 1 mês ou alguns anos.
    São todos bravos lutadores...
    Meu grande abraço...muita força.
    Fernanda Z.

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